segunda-feira, 1 de março de 2010

Redes sociais usadas para criar uma ILC relativa ao acordo ortográfico


         A ideia foi lançada uma noite, através do Twitter, "em menos de 140 caracteres", conta João Pedro Graça, 50 anos, tradutor. "Irritado" com a ausência de iniciativas concretas contra o acordo ortográfico, este antigo professor lançou para a rede um desafio: a criação de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) para apresentar à Assembleia da República uma proposta de revogação ou suspensão do acordo.

        Acordo não traz vantagens a Portugal, defende grupo de cidadãos (Miguel Madeira)

        Pouco depois, e apesar da hora tardia, começou a receber respostas positivas. Hoje diz que a iniciativa já conta com perto de 47 mil apoiantes no Facebook, e por isso acredita que, uma vez redigida a ILC por um grupo de juristas, não será difícil reunir as 35 mil assinaturas necessárias para a levar ao Parlamento. Não é uma iniciativa "de estrelas", embora tenha o apoio de algumas figuras públicas, entre as quais o advogado Garcia Pereira, a escritora Alice Vieira e a actriz Lídia Franco.

        O facto de a nova grafia já ter sido adoptada por alguns jornais e pela agência noticiosa Lusa não o desanima. "Uma lei pode ser revogada, alterada ou suspensa. O que as pessoas desconhecem é que têm mais poder do que pensam". Até hoje em Portugal só houve uma ILC, apresentada pela Ordem dos Arquitectos em 2007 para revogar a Lei n.º 73/73. E teve sucesso.

        Neste momento há um grupo base de oito pessoas - do qual João Graça tem sido o "rosto" público (apesar de não aceitar ser fotografado), alimentando a causa no blogue Apdeites, onde cita, por exemplo, os AC/DC para dizer que o tempo poderá passar a dividir-se entre "antes do C e depois do C" (o acordo prevê a queda das consoantes mudas) e que corremos o risco de voltar à escuridão - Back in black, como o título do álbum da banda australiana.

        O objectivo é conseguir "para ontem" a ILC redigida e entregue aos deputados. "A partir do momento em que dá entrada na Assembleia, há um prazo de 30 dias para ser discutida. Temos que a entregar antes das férias dos deputados, senão cai no início do ano escolar", explica João Graça.

        "Não sou ninguém, sou um anónimo", sublinha. "E nunca vi os outros sete promotores. Mas isto prova que as redes sociais funcionam". Foi o Manifesto pela Língua Portuguesa contra o Acordo Ortográfico, assinado entre outros pelo poeta e tradutor Vasco Graça Moura e pelo linguista António Emiliano, que levou Graça a empenhar-se mais nesta causa.

        Mas hoje considera que esse manifesto - que recolheu mais de 110 mil assinaturas e foi debatido no Parlamento em Maio - se tornou "um desperdício". "Pode até ter um efeito pernicioso, porque as pessoas assinam e ficam descansadas, desmobilizadas". E não tem, na sua opinião, o peso que uma ILC pode ter.

       A advogada Patrícia Lousinha vai coordenar a redacção da ILC, e João Graça contribuirá "com os necessários elementos argumentativos". Por exemplo, que "este acordo só vale para um lado, que é o Brasil", que "não tem absolutamente nenhuma vantagem para Portugal", que "muitos tradutores vão ficar sem trabalho porque o custo de vida é mais alto na Europa que no Brasil e um tradutor em Portugal tem que cobrar mais", que não faz sentido dizer "que os brasileiros são a maioria - ou será que a língua é decidida por votação?".

        O argumento de que já houve outros acordos ortográficos e que não destruíram a língua também "não colhe". "Agora estamos a falar de uma reforma profundíssima e que afecta exclusivamente um lado". O que está em causa, acrescenta, é a língua, "um símbolo nacional". Referindo-se aos 1,6 por cento de palavras que em Portugal são alteradas com o acordo, compara com um monumento: "Já viu o que acontecia se 1,6 por cento das pedras da base da Torre de Belém fossem retiradas? Com a língua é a mesma coisa."


Por: Alexandra Prado Coelho
No: Público - 01/03/10

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